Recuperação Judicial o assunto do momento no agro: Como as empresas que vendem a crédito podem se preparar para enfrentar esse momento desafiador.

Mírian Gontijo Advogados > Blog > Artigo > Recuperação Judicial o assunto do momento no agro: Como as empresas que vendem a crédito podem se preparar para enfrentar esse momento desafiador.
Artigo 21 de outubro 2024

Por Dra. Paula Rubinger

A criação do instituto da Recuperação Judicial no Brasil foi um marco importante no tratamento das empresas em dificuldades financeiras, refletindo uma necessidade crescente de oferecer um meio eficaz de reestruturação e preservação de negócios.

A recuperação judicial foi oficialmente introduzida pela Lei nº 11.101, sancionada em 9 de fevereiro de 2005 e modificada pela Lei 14.112 de 2020, criando um novo paradigma em relação ao tratamento das crises empresariais.

Antes da implementação da Lei de Recuperação Judicial, as empresas que enfrentavam dificuldades financeiras frequentemente eram levadas a processos de falência, o que resultava na liquidação de seus ativos e na perda de empregos, com impactos negativos para a economia e para a sociedade. Assim, objetivamente, o instituto da Recuperação Judicial apresentava-se como alternativa para a preservação de empresas e empregos e para a criação de um ambiente econômico mais atrativo para investimentos estrangeiros.

Nos dias atuais, no entanto, o que se verifica com facilidade é a desvirtuação dos motivos precípuos que levaram o Legislador à criação do instituto da Recuperação Judicial que, embora tenha sido concebida como um mecanismo para reestruturar dívidas e salvaguardar a fonte de alimento de diversos empregados, na prática, tem havido o uso inadequado desse instrumento, prejudicando tanto os credores quanto a própria empresa em recuperação.

Em verdade, diversas empresas têm utilizado a Recuperação Judicial como uma estratégia para postergar obrigações financeiras, buscando um “refúgio” temporário para evitar a liquidação imediata de suas dívidas. Essa abordagem, muitas vezes, é utilizada de maneira oportunista, sem a intenção real de se reestruturar, mas sim para ganhar tempo, renegociar condições que seriam inviáveis fora do processo e, com isso, favorecer não um soerguimento da empresa recuperanda, mas levar ao seu real enriquecimento em detrimento de seus credores.

O referido enriquecimento se faz possível porque, na grande maioria dos casos, as empresas apresentam planos de recuperação com condições aviltantes, tais quais deságios de 90% (noventa por cento), carências superiores a 2 (dois) anos e parcelamentos a se perderem de vista.

Fato é que a desvirtuação da recuperação judicial afeta diretamente os credores que acabam financiando as atividades dos recuperandos e suportando o prejuízo que, legalmente, a Recuperação Judicial acaba por oportunizar.

Portanto, diante do cenário desolador atualmente vivenciado no que se refere à desnaturalização do instituto da Recuperação Judicial, cabe aos bancos, cooperativas de crédito, cooperativas de produtores rurais, revendas de insumo para atividade agrícola, entre outros, repensar a forma de concessão de crédito, sua instrumentalização e seu follow up, sob pena de elas mesmas estarem fadadas à falência.

É necessário que os credores analisem de forma ainda mais meticulosa a vida financeira, a capacidade produtiva da empresa ou do produtor rural, para quem irão abrir novo crédito. O alto endividamento no mercado, baixo patrimônio imobilizado, grandes compras e corrida por novos empréstimos são indicadores que devem alarmar o credor e fazer com que a concessão do crédito seja repensada e bem instrumentalizada.

Aqueles credores que detém o conhecimento de como estruturar e melhor formalizar seus créditos podem tê-los classificados como extraconcursais, como é o caso, por exemplo, da Cédula de Produto Rural física, nos termos do Art. 11 da Lei 8.929, devidamente modificado pela Lei 14.112/2020.

No contexto da Recuperação Judicial, a CPR física possui um tratamento especial, sendo considerada um crédito extraconcursal. Isso significa que, em caso de Recuperação Judicial do produtor rural, os credores que possuem seu crédito lastreado em CPR física, não devem se submeter à forma de pagamento prevista no plano de recuperação judicial. Essa extraconcursalidade, portanto, permite que o credor tenha seu direito plenamente resguardado.

Além da correta instrumentalização do crédito, é de suma importância que o credor procure atrelar garantias reais ao título, a fim de que este possa ser considerado extraconcursal, por exemplo, se houver um bem dado em alienação fiduciária, nos termos do Art. 49, §3º, da Lei 11.101/2005, ou pelo menos, fique melhor classificado dentre os demais créditos concursais, como seria o caso de um contrato com penhor de grãos.

Ademais, é de suma importância que o credor esteja amparado por uma assessoria jurídica que conheça a atividade do credor, bem como compreenda todo o contexto legal da Recuperação Judicial, a fim de vislumbrar eventual condição que possibilite a alegação de extraconcursalidade do crédito. À exemplo, podemos citar a extraconcursalidade dos contratos firmados entre cooperativa e cooperado que, por previsão legal expressa do Art. 6º, §13 da Lei 11.101/2005, não se sujeitam à recuperação judicial.

Destarte, por todo o exposto, tem-se por essencial que os credores que vendem a prazo, ou que, de alguma forma, concedem crédito e acabam por financiar a atividade de outrem, devem refinar sua análise de risco, elaborando estudo pormenorizado da situação financeira de seu cliente, monitorando de forma constante sua produção/atividade, bem como endividamento no mercado e acionamentos judiciais.

No momento da concessão do crédito é fundamental que a instrumentalização do crédito se dê da forma mais adequada para a atividade do credor e seu cliente, sempre visando um recebimento mais efetivo, em caso de eventual dificuldade financeira por parte do devedor que possa o levar ao pedido de Recuperação Judicial.

Fato é que a atual desvirtuação da finalidade precípua da Recuperação Judicial criou um cenário de instabilidade não só jurídica, mas comercial. Isso porque, conforme visto, a hipótese do recebimento de um crédito pela via recuperacional, acaba tendo que ser considerada desde o início da concessão do crédito como mais um risco do negócio. A desnaturalização do instituto da Recuperação Judicial, portanto, fez com que o crédito, especialmente no mercado privado, ficasse mais caro, voltado a um grupo específico de clientes, além de mais burocratizado.

O que se observa é que é essencial que o Judiciário coíba o mau uso do instituto da Recuperação Judicial, impossibilitando que devedores, agindo de má-fé, façam uso da ferramenta não para soerguimento, mas sim para enriquecimento em detrimento daqueles que financiaram sua atividade. Enquanto isso, a aplicação das medidas ora exploradas, são essenciais para minimizar os impactos nas empresas e instituições do mercado privado que financiam outras atividades, de modo a poderem enfrentar esse momento desafiador.

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